python4oceanographers

Turning ripples into waves

Desabafo de um Pesquisador

This guest post was written by Juliana Leonel. She is a Chemical Oceanographer, professor at UFBA, and Pythonista. The post is about the Brazilian researchers eternal struggle against useless bureaucracy.

PS: Make sure to check out her crowd-funding campaign to study Persistent Organic Pollutant.

A razão pela qual escrevo é muito simples e, com certeza, muitos são os colegas que compartilham do mesmo sentimento: frustração.

Como professores/pesquisadores lutamos todos os dia para manter nossas linhas de pesquisa ativas e nossos laboratórios em funcionamento. Para isso, no entanto, precisamos competir por recursos aplicando para editais das agências de fomento. Devemos escrever projetos, reunir o grupo de trabalho, fazer parcerias nacionais e internacionais, preencher formulários e atender infinitas solicitações de tais agências.

E é exatamente aí uma das nossas maiores fontes de frustrações e dores de cabeça: todos aqueles que passaram por esse processo sabem o desespero que dá na hora que o sistema online simplesmente começa a apresentar problemas. Pior ainda quando você conversa com o serviço de atendimento e eles também não fazem ideia do que está acontecendo! Para exemplificar melhor, vou contar uma história que aconteceu comigo recentemente.

Durante o processo de preparo/submissão de um projeto para uma agência estadual, a FAPESB (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia), precisei incluir um pesquisador de uma instituição internacional com a qual venho desenvolvendo projetos de pesquisa há algum tempo. (Viva! Consegui a tal parceria internacional tanto exigida pelas agências!) Para incluí-lo, é mandatório que meu colaborador faça um currículo na plataforma Lattes!!! E depois que fizesse a seu cadastro junto a essa FAPESB.

E foi aí que o pesadelo começou... Sobre o Lattes (vou citar apenas um dos casos mais curiosos do processo): tirando o fato de ser um processo fatídico e demorado mesmo para Brasileiros, o sistema Lattes exige informações obrigatórios que parecem não ter explicação de existir. Por exemplo, no endereço profissional, além da cidade, país, rua e CEP é obrigatório o preenchimento de informações como bairro e estado. Apesar de estado ser campo obrigatório o número máximo de caracteres permitido não permite inserir essa informação quando não se mora no Brasil. (Seria porque quem montou o sistema foi inocente o suficiente para imaginar que todos os lugares do mundo teriam um sistema de abreviação de apenas duas letras?)

Mês passado, esse mesmo pesquisador submeteu um projeto, do qual faço parte, a uma agência de fomenta do seu país e o único documento que precisou foi meu CV em PDF. Porque não podemos simplesmente fazer o mesmo aqui? Além de respeito e reciprocidade isso reduziria a perda de tempo que o pesquisador Brasileiro perde em burocracia.

Continuando, passamos para o cadastro junto a FAPESB. Esse logo de cara já se mostrou um problema: apesar de permitir o cadastro de pesquisadores estrangeiros, a página só existe em Português - será que só podemos trabalhar com pesquisadores que dominam nossa língua mãe? Já tive que preencher o Lattes do meu colaborador, agora tenho que preencher um formulário em nome dele e torcer para ele não se importar de não entender nada. Continuando no processo, depois de preencher todo os dados solicitados, o sistema responde como se tivesse tudo OK.

Satisfeita que depois de mais de 8 horas em função disso conseguiria incluir o pesquisador no meu projeto sou surpreendida com outra incongruência: assim que digitei o número de passaporte dele no formulário do projeto recebei uma mensagem que ele estava com pendências no formulário de cadastro com a FAPESB. Momento de desespero: como assim se o cadastro foi finalizado sem maiores problemas? Entrei no sistema, chequei as informações e achei no menu uma listagem de pendências que devem ser resolvidas para que o cadastro seja finalizado. Aí fica mais uma pergunta: por que essa lista não apareceu durante o processo de cadastramento?

Mais um tempo despendido tentando arrumar essas pendências (entre elas, cadastrar instituição de pesquisa do pesquisador, inserir telefone de contato, o nome do meio não pode ser abreviado - por quê????) Quando terminei descobri que o sistema não esta aceitando as novas informações. Para tudo e vamos ligar para a FAPESB! Na primeira ligação recebemos a promessa que o problema seria resolvido logo. Como não aconteceu, ligamos novamente algumas horas depois e ouvimos algumas coisas que merecem destaque: a) "ao invés do telefone profissional dele (pesquisador internacional) vamos colocar o seu aqui do Brasil que pode ser que funcione; e aí eu volto a perguntar "Por que é exigido um cadastro se o próprio órgão me recomenda a mentir sobre os dados na ficha de cadastro das pessoa? b) "realmente, o sistema parece que não esta gravando as informações, mas não sei explicar o porquê, continue tentando. Depois dessa resposta fui obrigada a deixar parte da educação de lado. Depois da explosão recebi a resposta foi "Vamos averiguar o que está acontecendo." Encerrei a ligação com a certeza que o problema não seria resolvido em breve. Para minha surpresa (e alívio) se resolver minutos depois. Novamente: por que a atendente só se prontificou em resolver o problema apenas depois que eu, digamos, não fui muito educada com ela? Temos mesmo que gritar para conseguir preencher um simples formulário?

Uma das definições de burocracia é "algo muito complexo, ineficiente e inflexível." Será que não passou da hora de termos isso em mente quando vamos criar sistemas e produtos? Já temos tantos atribuições em nossa vida profissional: aula, pesquisa, orientações, publicações, comissões etc. Que tal se o sistema, ao invés de um entrave, fosse uma ferramenta de auxílio?*

* Leia-se auxílio ao professor/pesquisador e não a burocratas e acumuladores de dados para sem fins claros.

Juliana Leonel

In [3]:
HTML(html)
Out[3]:

This post was written as an IPython notebook. It is available for download or as a static html.

Creative Commons License
python4oceanographers by Filipe Fernandes is licensed under a Creative Commons Attribution-ShareAlike 4.0 International License.
Based on a work at https://ocefpaf.github.io/.

Comments